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Ofende porque é violência!

Nos últimos dias, vi circular pela rede uma publicidade que andou causando furor por Maceió. Prefiro não colocá-la aqui, mas deixo um link para quem quiser conferir. Em resumo, o anúncio de uma concessionária publicita um modelo de moto e a sua promoção de emplacamento gratuito. Na imagem, aparece a moto, uma mulher com uma roupa e postura sensual e a frase “Compre que eu dou pra você” e, abaixo, com menos destaque, “o emplacamento grátis”. A propaganda gerou uma certa polêmica (com razão!) e depois de diversas denúncias por parte da cidadania, o Procon/AL notificou o anunciante para que a retirasse de circulação, considerando-a abusiva.

Mas o que mais me chamou a atenção foi a resposta social. Se por um lado houve um rechaço por uma parte da cidadania e que, munida de instrumentos legais, conseguiu que a publicidade fosse vetada (alívio!). Por outro, surpreendo-me ainda com os argumentos que apelam para a “liberdade de expressão” ou “falso moralismo”, fazendo um uso vão dos mesmos. Estando longe, apenas posso medir essas respostas via redes sociais, notícias e amigas. E foi justamente através do Facebook que li o seguinte comentário:

«Sou mulher e não me sinto ofendida com essa peça, me sinto ofendida quando vejo pessoas morrendo de fome, sem moradia e etc… Me sinto ofendida enquanto publicitária, pois essa propaganda está uma verdadeira merda… Alias me ofendo sim, essa modelo é feia demais, deveriam ter me chamado!»

Chamou-me a atenção, claro, porque vem de uma mulher e publicitária. E, principalmente, porque, tendo um pouco de experiência em como reaciona o senso comum em temas relacionados à publicidade, mulheres e sexualidade, temo que o comentário sintetiza bem a opinião massificada.

Realmente, cada pessoa pode ou não sentir-se ofendida com o conteúdo. No entanto, a publicidade é sexista e não é que ofenda, preocupa! A reprodução do estereotipo “mulher/objeto sexual” é uma das causas de base para que os nossos corpos continuem sendo vistos por muitos como uma posse, como algo que pode ser vulgarizado, tocado, explorado e violado. Isso acarreta na perpetuação de uma cultura machista e ampara uma quantidade abrumadora de casos de violência contra as mulheres todos os anos. Segundo a Secretaria de Políticas para as Mulheres, só no primeiro semestre de 2012, foram registrados no Brasil mais de 47.500 denúncias de violência. E não estamos falando apenas de agressões físicas, mas também de violência psicológica, patrimonial e moral. E esses números refletem apenas os casos denunciados.

Acreditem, os riscos de que continuemos reproduzindo modelos assim são bastante reais. Admitir este tipo de publicidade apenas contribui para que o imaginário popular continue preso à ideia de que “se foi violada é porque provocou”, paralizando avanços à uma sociedade realmente igualitária e respeituosa com todas as pessoas.

Logo, está o discurso de que “o que me ofende é a fome, a pobreza etc etc”. Um discurso demagógico, na minha opinião. As lutas sociais não devem ser hierarquizadas, nem valorizadas mais uma em detrimento de outra. Assim mesmo, nunca é demais lembrar que as mulheres são mais da metade da população mundial e que a violência contra a mulher, pelo simples fato de ser mulher, continua sendo um câncer social.

Por último, está o comentário quanto à beleza da modelo. Vale ressaltar que o mercado publicitário, a indústria da moda e os meios de comunicação são grandes responsáveis pela construção dos cânones de beleza, que não provocam mais que depressões entre jovens, transtornos na alimentação e outra série de complexos pessoais, pois são padrões de beleza que distam, e muito, da realidade. E nem é preciso lembrar que somos as mulheres as que mais sofremos com as exigências para seguir esses modelos. Somos as que mais somos julgadas pela aparência, seja na universidade ou numa entrevista de trabalho. Em um país como o Brasil, onde ganhamos por variedade, resulta até patético que as pessoas ainda não tenham assimilado que a beleza está nas formas e na diversidade.

É certo que a publicidade faz uso de estereotipos e de estudos de segmentação de mercado para poder dialogar com o seu público-alvo. E se o público-alvo são os homens e a nossa população ainda é essencialmente machista e vê graça em materiais como esse, podem argumentar que a publicidade apenas respondeu ao que o seu segmento de mercado pediu. No entanto, a sociedade avança e as mulheres têm conseguido, pouco a pouco, mudar a associação do corpo como objeto e produto a ser consumido. E se esse modelo continua sendo reproduzido é porque esses discursos continuam institucionalizados e adotados pelos meios de comunicação. Logo, como ramo da comunicação social, a publicidade tem a obrigação de questionar esses padrões e contribuir a um exercício responsável da atividade. Como disse uma amiga, não é censura, muito menos moralismo, é rejeitar a violência mesmo.